sexta-feira, 24 de julho de 2009

Das visitas da felicidade.

Não, a felicidade não nasceu quando eu te encontrei. Ela já era minha amiga, mas resolveu se fazer mais bela e me visitou mais vezes. E as coisas boas se tornaram ótimas e as ruins eu nem percebia. O tempo nos transformou. Talvez mais a mim do que a ti. Hoje, a felicidade não me visita tão frequentemente nem me diz claramente por onde anda. Andei tentando encontrá-la. Desisti. Resolvi esperar por suas visitas.

Sei que quando formos embora, quando não estivermos mais juntos, ela permanecerá minha amiga, mas nunca mais terá a mesma beleza que ela se fez mostrar no dia que te conheci.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Oportunidades perdidas

Ele andava apressado por entre olhares que não se cruzavam. A solidão das ruas repletas. Os minutos comandavam o ritmo de seus passos e de seus pensamentos. Os primeiros pingos na camisa de algodão rapidamente tocaram suas costas. Os passos se tornaram mais rápidos até que encontrou uma marquise como abrigo. Outras pessoas fizeram o mesmo. Corpos espremidos à espera de retomarem suas vidas. Enquanto muitos olhavam os elementos, ele resolvera olhar as pessoas. Um frio lhe tomou o corpo e não fora por conta do vento ou dos pingos que desafiavam aquele abrigo. Apesar dos cabelos de cor e formato diferentes, ele saberia reconhecer aqueles olhos castanhos em qualquer circunstância. Deslizou entre as pessoas até ficar frente a ela. A surpresa era evidente nos olhos de ambos. Por longos segundos, nada disseram, só se olharam. Um incômodo tomou conta deles. Muitas coisas poderiam ser ditas, mas não sabiam como. Começaram a falar de coisas triviais: “o que andas fazendo?”, “que idade tem teus filhos?”, “tem notícias de fulano?”... Nada disto, na verdade, lhes importava. Só os traços dos sentimentos abafados é que teriam relevância naquele momento. Mas a cada tentativa de tocar neste assunto, o ar lhes faltava aos pulmões. O sangue interrompia seu fluxo.

Os pingos se tornavam poucos. A multidão se dispersava. Ele fez um esforço derradeiro:
- Quem sabe se nós...?
- Não, melhor não.
- Tens razão, melhor não.
Ele a beijou no rosto. Seus lábios percorreram sua pele molhada. Quando sua boca procurou a dela, ela não a negou. Fechou os olhos e retribuiu o beijo. Encorajado, ele apertou seus lábios contra os dela até que ela abrisse sua boca deixando entrar sua língua. Percorreu cada canto da boca como querendo matar a saudade de um lugar que há muito não visitava. Num surto de culpa, ela o empurra, diz adeus e se vai. Cada um para seu lado. Cada um achando que tudo poderia ter sido diferente.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Anjo serelepe.

Poucas visões me deixaram mais extasiado que a de seu corpo nu saltando sobre a cama do motel. Só seus cabelos curtos balançavam, os únicos pêlos visíveis em seu corpo além dos cílios e das sobrancelhas. Nem seus seios pareciam querer acompanhar aquele movimento. Pulava como uma menina. Nem parecia ter mais de 35. Corpo perfeito, alma de menina serelepe, um anjo. Gosto de pensar que esta explosão de vida que ela me oferecia naquela hora era um prêmio pelo sensações que nos ofertamos momentos antes.

Viver do passado.

Aquela dor lhe consumia as vísceras dia após dia. Todos os unguentos que tentasse de nada lhe serviam. Já tentara abortar aquele corpo estranho que se remoía dentro de si, mas suas forças não lhe eram suficientes. Só os copos de vinho e de martini acalmavam-lhe o sofrimento. E eles não eram poucos. Seu corpo já demonstrava os efeitos colaterais desses remédios tomados em excesso. Faltava-lhe a coragem e a vontade de se curar. Na verdade, ela negava-se a abdicar desta paixão. Pelo contrário, ela a alimentava com os pratos menos sofisticados recheados das mentiras mais triviais e com as ilusões mais toscas.

Vários eram os dias em que ela passava por certos bares. Não eram bares quaisquer, eram aqueles que ela sabia que ele os frequentava. Ás vezes, se não o achasse em um, fazia uma ronda por todos os outros próximos. Só voltava pra casa quando tinha certeza de que ele não estava naquela região, mas não sem antes tomar suas taças de vinho e fumar seu marlboro, seus analgésicos para a alma. Nas vezes em que o encontrava em um bar, tentava chamar sua atenção passando defronte dele. Inicialmente fingia ignorá-lo, mas como ele, de fato, a ignorava, ela tentava de novo, desta vez buscando seus olhos. No máximo um aceno de mão. Tentava sentar numa mesa próxima. Ouvir sua voz já lhe trazia lembranças do que foram e as possibilidades que só havia na sua mente lhe enchiam de esperança. Bastava algum conhecido em comum sentar-se junto a ele. Era o bastante para que ela se aproximasse, buscasse assunto com o conhecido enquanto esperava ser convidada para sentar. O convite nunca vinha. Este processo autodestrutivo continuava por meses. Seus telefonemas, ele nem mais os atendia. O fundo do poço parecia não ter fim. Os únicos momentos de prazer eram quando ela regatava as coisas boas que haviam passado e que, agora, só ela lembrava. Sabia que não podia seguir assim, mas fazer o que se seu coração não se abria para outras possibilidades? E assim foi, com doses cada vez mais altas de seus analgésicos para a alma. Assim foi até a última gota de amor próprio secar, até o esquecimento de si mesma.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sua dose de morfina.

Como de costume, ela se arrumara fazendo-se linda. Inútil dizer-lhe. Diferente não seria. Mais uma vez ela o chamara. Ele, o poço de impossibilidades, não a acompanharia. Mais uma vez o mergulho em suas prisões. A noite, as possibilidades, os desejos, ela queria estar com ele, mas sua natureza irremediavelmente livre não lhe permitia prender-se a correntes que não eram suas. Linda e decidida, ela bebia todos os prazeres que lhe eram oferecidos, até os que ela nem buscava. Como fazer diferente se seu coração anseia em bater mais rápido?


Cercado por suas grades e correntes, seu pensamento tentava acompanhá-la. Única coisa livre de que dispunha – seu pensar nela. Quais os olhares, quais as bocas, que sensações? Assim tinha que ser. Não se prende o que só existe livre. Ele sabia o preço a pagar. Seu amor poderia custar sua alma, ela já o havia advertido.


Em sua agonia, a noite não tem fim. Os segundos se sucedem assim como as gotas da chuva que molham sua janela ou as doses em seu copo que não lhe trazem o torpor que o absolveria da dor que sente. O celular na mão como se isto o deixasse mais próximo dela. A espera, a longa espera.

Por fim, saciada, corpo cansado, mente em êxtase e bêbada das emoções que tivera e dos martinis que tomara. Deitada em alguma cama, sua última ação antes de entregar-se: a dose de morfina que aliviaria suas dores, uma mensagem. O aparelho treme em suas mãos suadas, a redenção, sua dose de morfina chegara - “... apesar de tuas correntes, ainda te quero”. Aliviado de suas dores, agora ele dorme.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sonho de consumo II

Sentada no banco do carona. Vestido preto até um pouco acima dos joelhos, meia ¾ de seda vermelha, calcinha vermelha de renda com transparências,cinta-liga, sem sutiã. Ele dirigindo sem ter o direito de tocá-la, só observar. Vestido levantado lentamente até mostrar a calcinha. O decote afastado até que o bico do peito revele-se. A janela baixada, permitindo que os olhos curiosos nos coletivos participem do ritual. Calcinha puxada para o lado. O contraste dos tons claros de seu sexo com o esmalte escuro em suas unhas. Gemidos e coisas absurdas ditas. Ruela escura e quase deserta. Sexo enlouquecido sob os poucos olhares de alguns vigias noturnos. O que poderia ser mais perfeito?