quarta-feira, 31 de março de 2010

Dos beijos inesquecíveis

Na categoria de beijos inesquecíveis, sempre elegemos aquele beijo apaixonado iluminado pelo reflexo da tela, ou aquele dado sob a proteção da sombra de uma árvore numa noite adolescente, o beijo roubado, até mesmo aquele beijo de despedida temperado pelo sal das lágrimas que escorrem é lembrado.

Também tenho uma lista de meus beijos inesquecíveis. De tempos em tempos a lista é refeita. Alguns beijos são jogados fora – não eram tão inesquecíveis, outros são incluídos à medida que novas paixões nascem e morrem. O último beijo está sempre lá, ocupando o lugar do penúltimo.

Se tivesse que escolher um único beijo para chamá-lo de inesquecível, não teria dúvida sobre qual seria: o beijo que não foi dado. O beijo ansiado, desejado e que esteve na iminência de ocorrer. Aquele que deixou as mãos trêmulas e o coração a disparar a cada risada que fazia nossos rostos se aproximarem. Aquele que quase aconteceu quando cochichei coisas absurdas no teu ouvido ou ainda quando meus lábios tangenciaram os teus na porta da tua casa. O beijo que não conheço o sabor, mas que pode permanecer perfeito porque idealizado fora e idealizado continua. Tem o sabor, a forma, a duração que imaginar. O beijo que, na minha memória, pode ser repetido infinitas vezes, todas diferentes, todas perfeitas. Inesquecível porque seria a uma só vez o começo de tudo que poderia ter sido e a despedida do que fomos juntos.

Eles se merecem.

Fidelidade nunca fora seu forte. Falo desta fidelidade formal que se atém somente à exclusividade sexual entre companheiros. Se ela desejava, ela buscava. Quase sempre conseguia. Após os prazeres saciados, voltava leve ao seio conjugal. Ela era fiel às suas vontades. Bom, quase sempre. Costumava dizer que sua fidelidade era circunstancial. Se as coisas estavam bem, os prazeres eram todos domésticos. Bastava uma leve discussão, sua vingança se consumava numa cama desconhecida.

Assim costumava ser. Com o tempo, adquiriu uma habilidade de criar desculpas para justificar suas ausências. Seu marido acreditava ou fingia acreditar. Sempre saiam juntos para as festas, mas isto nunca fora dificuldade para ela. As ruas laterais da boite que frequentavam eram testemunhas de sua capacidade de driblar os cuidados de seu esposo. Seus tentáculos nunca a prenderam. Eram felizes assim. Os amigos sabiam de seu comportamento livre, mas nunca ousaram uma intromissão na vida dos dois. Eram felizes, ora bolas!

Ela tomava suas precauções. Os encontros de uma noite não sobreviviam ao nascer do sol. Nada de telefones, emails ou o que seja. Quando acontecia com conhecidos, ou mesmo amigos, os contatos eram evitados por semanas. Isto garantia a distância que salvaguardava seu casamento. Eram felizes, afinal.

Algumas coisas não são tão simples. Os sussurros, as palavras loucas ditas num certo sábado permaneceram em seus ouvidos por mais tempo do que deveriam. Os arranhões deixaram marcas profundas em seu querer. Seu desejo era de repetir tudo a cada sábado, mas ele evitou todo e qualquer contato. Isto a deixava louca, obsessiva mesmo. Nenhuma resposta aos seus email, mensagens ou ligações. Restava-lhe o acaso, mas, apesar de suas constantes rondas noturnas, um novo encontro “casual” não ocorreu. Em casa, o sexo se tornou burocrático - obrigação conjugal. Garrafas de vinho lhe ofereciam o torpor e o esquecimento para desvanecer sua paixão. Faca que corta a carne e expõe as veias que latejam desejo. Assim foi, até que o esquecimento lhe trouxe a paz de volta. Esquecimento que tudo sara.