sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sua dose de morfina.

Como de costume, ela se arrumara fazendo-se linda. Inútil dizer-lhe. Diferente não seria. Mais uma vez ela o chamara. Ele, o poço de impossibilidades, não a acompanharia. Mais uma vez o mergulho em suas prisões. A noite, as possibilidades, os desejos, ela queria estar com ele, mas sua natureza irremediavelmente livre não lhe permitia prender-se a correntes que não eram suas. Linda e decidida, ela bebia todos os prazeres que lhe eram oferecidos, até os que ela nem buscava. Como fazer diferente se seu coração anseia em bater mais rápido?


Cercado por suas grades e correntes, seu pensamento tentava acompanhá-la. Única coisa livre de que dispunha – seu pensar nela. Quais os olhares, quais as bocas, que sensações? Assim tinha que ser. Não se prende o que só existe livre. Ele sabia o preço a pagar. Seu amor poderia custar sua alma, ela já o havia advertido.


Em sua agonia, a noite não tem fim. Os segundos se sucedem assim como as gotas da chuva que molham sua janela ou as doses em seu copo que não lhe trazem o torpor que o absolveria da dor que sente. O celular na mão como se isto o deixasse mais próximo dela. A espera, a longa espera.

Por fim, saciada, corpo cansado, mente em êxtase e bêbada das emoções que tivera e dos martinis que tomara. Deitada em alguma cama, sua última ação antes de entregar-se: a dose de morfina que aliviaria suas dores, uma mensagem. O aparelho treme em suas mãos suadas, a redenção, sua dose de morfina chegara - “... apesar de tuas correntes, ainda te quero”. Aliviado de suas dores, agora ele dorme.

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