quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sangue de Boi


Tempos difíceis. O bom e velho Porto substituído pelo prosaico Sangue de Boi. Mesmo assim, copos e copos são vertidos todas as noites, deixando-lhe o sangue mais vermelho e quente: sangue de boi. Ou seria sangue de barata?

Fecha a porta antes de sair

 Tédio, era esta a palavra que melhor definia suas relações. Um cansativo carrossel de abraços, corpos e beijos que não lhe aquecia a alma. Exausto, de saco cheio mesmo, de usar e ser usado na busca pelo prazer, prazer que para ele se tornava cada vez mais efêmero, decidira mudar algumas coisas. Começou por apagar de seu telefone, email, msn, todos os contatos de suas ficantes. Deixou somente daquelas que, um dia, representaram algo mais que apenas um delírio de um orgasmo. Cometeu um orkuticídio. Das armadilhas virtuais, esta era a pior de todas. Acreditava que longe dos prazeres fáceis estaria mais perto de relações mais concretas, embora ele não soubesse bem o que seria uma relação concreta, mas o nome lhe soava bem aos ouvidos.

Os primeiros meses distante da noite e de seus inferninhos e boites, acabou por lhe fazer bem. Dedicou-se à leitura e à jardinagem ,algo que ele considerava coisa de viado. Descobriu novas habilidades. O sexo hebdomadário lhe fazia falta, mas o vazio que sentia após cada transa vazia não lhe provocava saudades. Vez ou outra visitava um puteiro. E quando o fazia, era com um pragmatismo mais que objetivo.

Com esta sua nova vida, sentia que se tornava uma pessoa melhor, pronto para uma relação mais concreta, como ele gostava de dizer. Achava que seria uma questão de tempo até encontrar alguém. Seus pensamentos foram quase premonitórios.

Era de tarde e o sol ainda queimava sua pele. Mudou de calçada em busca de uma sombra. Muitos tiveram esta ideia. O caminhar era retardado pelos vários encontrões. Num destes, esbarrou com uma antiga colega da faculdade. Eles se conheceram durante uma calourada. Foram apresentados por um amigo comum. Conversaram muito e só não ficaram naquele dia porque ela, bêbada, acabou se agarrando com um carinha que distribuía camisinhas na festa. Se encontraram outras vezes, mas nunca chegaram a terminar o que começaram. Naquela tarde, eles trocaram números de telefone, endereços de email, msn. Só não trocaram os endereços de seus perfis no Orkut porque ele não tinha mais nenhum. Durante três semanas, se comunicaram de todas as formas que lhes era possível. As primeiras mensagens formais deram lugar a conversas mais íntimas. Seus interesses se tocavam em muitos aspectos. O primeiro encontro foi marcado. Seria um jantar, mas ele saiu precavido: duas camisinhas e um lubrificante no bolso. Conversaram muito, riram muito. Ele a deixou em casa e, durante o caminho, ninguém propôs um motel. Ele achou isto ótimo. Sentiu prazer em estar com alguém que aparentava sentir o mesmo prazer. Os encontros se sucederam. Sempre parecidos. Sempre sem motel. A diferença era que, agora, eles já ousavam trocar beijos e carícias mais picantes no carro. Ainda faltava o sexo, mas ele já achava que finalmente uma relação concreta estava começando.

Após um mês de encontros, ela o chama para um jantar em sua casa. Ele ficou cheio de expectativas. Desta vez foram três camisinhas que pôs no bolso. O jantar mal foi mordiscado e passaram para o quarto. Transaram alucinadamente. Ele já não sentia o vazio após cada gozo. Não se sentia usado para a a obtenção de prazer de outros. Estava feliz, feliz de verdade. Levantou-se para ir ao banheiro. Não consegui disfarçar um sorriso de satisfação. Satisfação pela alegria que sentia naquele momento. Satisfação pelo seu desempenho. Conseguiu arrancar dela gritos loucos de prazer ao gozar. Achava que era só o começo. Enquanto mijava, ensaiava coisas que diria a ela. Queria falar-lhe o quanto estava feliz e o quanto havia esperado por um momento com significado. Abriu a porta do quarto e a encontrou enrolada, pronta para dormir. Achou estranho, mas começou seu discurso decorado:
- Meu bem...
Fora interrompido por ela que falou com uma voz de sono e sem se mexer na cama:
- Suas roupas estão na cadeira. Olha se não esqueces nada e fecha a porta antes de sair.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ausência tua.

Enterrei-me no vazio criado por tua ausência. Ainda tento esticar as mãos para alcançar a borda deste precipício, mas minhas mãos só alcançam lembranças tuas. E eu afundo cada vez mais...

Vontade de correr leve, quase flutuando. Carregando de ti somente o gosto do licor que ficou de tua boca e nada mais. Vontade do dia em que tua ausência me seja indiferente e que tua presença me seja fonte de prazer. Mas isto ainda não é agora, mas será ... logo será.

Conversa pela metade

...já havia imaginado que era só empolgação de tua parte naquele dia. Pena que não vai rolar. Essa possibilidade tinha mexido com minha libido. De qualquer forma, continuo pensando em ir sozinho. Estou precisando de prazeres novos. Na verdade, sexo diferente ou com alguém diferente. As fantasias pipocam. Mas pra ser mais sincero, eu tava mesmo era a fim de ter sexo contigo. Só sexo, nem que fosse só táctil ou mesmo só verbal...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Obriga-me



"E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me."

(Do Desejo - Hilda Hilst - 1992)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Fetiche



Acordei nestes últimos dias com sede de ti. Não a sede comum que se sacia de qualquer maneira com os goles de teu sangue, mas a sede de teus desejos mais caros. Vontade de te percorrer, de te explorar como nunca o fiz. Vontade de servir aos teus desejos. Anda, vem. Sacia-te de mim. Faz de mim teu brinquedo. Vem antes que a vontade passe. Vem enquanto eu só te quero minha...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Ele não se dedicará mais a amar quem ele ama.

Negligenciado e decepcionado
Um homem que não escuta mais
O berço de seu coração
Tanto que ele não suporta mais
O perfume da felicidade.
Mas às vezes ele escuta
A doce melodia
Que faz lembrar a sua vida
O tamanho de seu coração.

Esse dia chegou
Esse do mês de inverno
Esse jamais desejado
Do bem querer
Que se perde.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ele só tinha olhos pra ela.




Persistência retiniana, teriam dito os médicos. Mas que sabem eles sobre estas coisas? O que dizem seus manuais acadêmicos sobre isto? Inúteis teorias mortas. A ele só interessava o que viesse da alma: a vida. Vida que pulsou mais forte em sua presença. O sangue condimentado com adrenalina, cortisóis, dopaminas e outras drogas que corria rápido por suas veias proporcionando-lhe o torpor ao encontrá-la. Encontros raros. Sensações fortes. Vício...

Tudo tem seu tempo.

O copo entornado rapidamente, o cigarro que queima a garganta e irrita os olhos. Os olhos que já não trazem insistentemente sua imagem, mas que vez por outra ainda destilam a saudade que de tempos em tempos lhe visita. Gotas do veneno que mata e cura...

Ao som de N do Nando

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Solidão

O sol que atravessava a fresta da janela projetava uma luz suave sobre a cama desarrumada. Também iluminava o armário quase vazio. Apenas umas duas camisas velhas e uma meia-calça desfiada. Tudo o que restou de ti naquele quarto, além do teu cheiro nos lençóis. Por dias aquele cenário permaneceu inalterado. Só a minha aparência cada vez mais moribunda mudava lentamente o ambiente no qual um dia transbordamos nossas alegrias. A cada dia, passava mais horas deitado na cama por fazer. As lágrimas já haviam varrido o teu cheiro dos tecidos que me cercavam. O mesmo ritual todos os dias: deitar naquela cama, olhar para o armário vazio e principalmente segurar o telefone esperando uma chamada, uma mensagem tua dizendo adeus, já que não o fizeste ao sair. Ao cabo de uma semana, este ritual tornou-se a descrição mais completa do uqe é solidão: o quarto desarrumado, o armário vazio e o telefone que não toca. Sei que ele continuará cruelmente mudo. A perpetuação de minha solidão.

Amor de conveniência

Eles se amaram no passado. Não faz muito tempo, ele resolveu ligar para ela. Um bar, uma cerveja, uma conversa. Ela aceitou, afinal as coisas de antes não foram totalmente apagadas e além do mais, ele trepava muito bem. Os encontros se sucederam, mas cada um cultivando suas liberdades emocionais. De fato, ela tinha outras pessoas. Com algumas ela tinha até amor e um bom sexo, mas não se furtava a manter os encontros quase semanais com a antiga paixão. Ele, do seu lado, já não conseguia imaginar-se sem aqueles encontros. Já não mais era senhor de seus sentimentos e aos poucos o cheiro de sua vagina se tornara uma adicção para ele. A paixão se instalara mais profundamente do que nos tempos de faculdade. Ele estava louco. Já não conseguia se relacionar com nenhuma outra mulher, nem mesmo uma relação vazia de uma, duas semanas. Ela também começava a pensar no encontro dos dois de uma forma mais significativa. Outros parceiros ficavam cada vez mais raros. Ele decidira chamá-la para morar com ele. Antes que ele tivesse chances de fazer esta proposta, ela procurou-lhe para comunicar-lhe algo. Era visível a ansiedade em seu corpo. Apesar disto, ela carregava um sorriso iluminado. Ela estava grávida. Tinha certeza que era dele, afinal, com os demais ela sempre tomava precauções. Ele ficara surpreso com a notícia. Um tanto abalado para ser mais fiel aos fatos. Mesmo diante das certezas que ela apresentava, ele não estava convencido que seria mesmo coparticipante daquela situação. Na cabeça dele, poderia ser de qualquer um. Ainda mais porque ele sabia que pelo menos com um dos outros caras havia sentimento. Seu orgulho de macho fazia com que ele imaginasse aquela criança, que ainda estava por vir, crescendo com os traços que não lembrariam os seus. O que dizer para os amigos? Tomou uma decisão - não mais a convidaria para morar com ele. Em dois meses estava casado. Cinco meses depois saberia que seria pai. Desta vez com toda a certeza que seu orgulho de macho necessitava. Sua antiga paixão pariu sozinha. Não exatamente sozinha, pois uma de suas relações efêmeras, justamente aquela que guardava algum sentimento, durou mais do que o esperado e ele não possuía o mesmo orgulho de macho. Ele decidira ficar ao lado deles. Amor incondicional...

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Dos amores à distância...

Acordei com uma vontade imensa de ti. Vontade grande mesmo, daquelas que nem sabemos direito como é que é. Levantei-me, tomei banho, café da manhã e todo o ritual que me acompanham as horas depois do despertar. Tudo igual a todos os dias, exceto esta vontade louca de ti. Desejo de estar contigo, de fazer coisas simples, de conversar besteiras, de almoçar contigo, de passear, de comprar coisas um pro outro. Sobretudo, desejo de te sentir, de passar meter a mão por debaixo de tua saia e arrancar tua calcinha, de te comer, de percorrer teu corpo com minha língua, de explorar teu sexo, de ouvir teus gemidos, de provar do teu gozo...

Queria te ligar para falar destas vontades e desejos, mas de que adiantaria? Não estarás aqui de noite quando chegar em casa. Não me encontrarás para almoçar. Não vestirás aquela lingerie que te dei. Resta-me agora esperar por tua aparição. Guardarei estes desejos para o dia em que chegarás, abrirás a minha porta e rasgarás de meu peito todas as saudades acumuladas...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sonhos

Alguns sonhos são melhores enquanto continuam sonhos. Alguns deles, nem todos, que fique bem claro, ao se realizarem, perdem parte do encanto que tinham quando eram só sonhos. A realidade, às vezes, não acompanha o charme dos sonhos.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Gozaremos eternamente...

"O tempo foi suspenso, claro. Lá não envelhecemos nem morremos. Gozaremos eternamente nessa meia luz de crepúsculo que já estupra a noite, iluminados por uma lua que a nossa embriaguez triplicou" Vargas Llosa

Uma cascata de lembranças se apoderou de todo meu corpo após ler esta frase. Certas frases que lemos ou ouvimos nos transporta para um momento de um tempo passado que ainda está atado em nossas entranhas, o que faz deste tempo passado um pouco do presente, contrariando, ou não, os percursos das linhas do espaço-tempo. E é com todo meu corpo que me lembro de alguns destes retalhos do passado. Às vezes até uso estes retalhos para remendar algumas das feridas de minha alma.

Gosto de me lembrar dos gozos que desejei que fossem eternos e que se mostraram tão efêmeros. Depois, sempre vinha outro gozo que me despertava os mesmos desejos de eternidade. Esta sucessão de gozos e de desejo de suas eternidades me faz feliz. Cada um com sua idiossincrasia, o que faz de todos especiais. Das muitas possibilidades que houveram, que hão e que haverão. Que após o próximo, haverá outros...

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Das visitas da felicidade.

Não, a felicidade não nasceu quando eu te encontrei. Ela já era minha amiga, mas resolveu se fazer mais bela e me visitou mais vezes. E as coisas boas se tornaram ótimas e as ruins eu nem percebia. O tempo nos transformou. Talvez mais a mim do que a ti. Hoje, a felicidade não me visita tão frequentemente nem me diz claramente por onde anda. Andei tentando encontrá-la. Desisti. Resolvi esperar por suas visitas.

Sei que quando formos embora, quando não estivermos mais juntos, ela permanecerá minha amiga, mas nunca mais terá a mesma beleza que ela se fez mostrar no dia que te conheci.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Oportunidades perdidas

Ele andava apressado por entre olhares que não se cruzavam. A solidão das ruas repletas. Os minutos comandavam o ritmo de seus passos e de seus pensamentos. Os primeiros pingos na camisa de algodão rapidamente tocaram suas costas. Os passos se tornaram mais rápidos até que encontrou uma marquise como abrigo. Outras pessoas fizeram o mesmo. Corpos espremidos à espera de retomarem suas vidas. Enquanto muitos olhavam os elementos, ele resolvera olhar as pessoas. Um frio lhe tomou o corpo e não fora por conta do vento ou dos pingos que desafiavam aquele abrigo. Apesar dos cabelos de cor e formato diferentes, ele saberia reconhecer aqueles olhos castanhos em qualquer circunstância. Deslizou entre as pessoas até ficar frente a ela. A surpresa era evidente nos olhos de ambos. Por longos segundos, nada disseram, só se olharam. Um incômodo tomou conta deles. Muitas coisas poderiam ser ditas, mas não sabiam como. Começaram a falar de coisas triviais: “o que andas fazendo?”, “que idade tem teus filhos?”, “tem notícias de fulano?”... Nada disto, na verdade, lhes importava. Só os traços dos sentimentos abafados é que teriam relevância naquele momento. Mas a cada tentativa de tocar neste assunto, o ar lhes faltava aos pulmões. O sangue interrompia seu fluxo.

Os pingos se tornavam poucos. A multidão se dispersava. Ele fez um esforço derradeiro:
- Quem sabe se nós...?
- Não, melhor não.
- Tens razão, melhor não.
Ele a beijou no rosto. Seus lábios percorreram sua pele molhada. Quando sua boca procurou a dela, ela não a negou. Fechou os olhos e retribuiu o beijo. Encorajado, ele apertou seus lábios contra os dela até que ela abrisse sua boca deixando entrar sua língua. Percorreu cada canto da boca como querendo matar a saudade de um lugar que há muito não visitava. Num surto de culpa, ela o empurra, diz adeus e se vai. Cada um para seu lado. Cada um achando que tudo poderia ter sido diferente.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Anjo serelepe.

Poucas visões me deixaram mais extasiado que a de seu corpo nu saltando sobre a cama do motel. Só seus cabelos curtos balançavam, os únicos pêlos visíveis em seu corpo além dos cílios e das sobrancelhas. Nem seus seios pareciam querer acompanhar aquele movimento. Pulava como uma menina. Nem parecia ter mais de 35. Corpo perfeito, alma de menina serelepe, um anjo. Gosto de pensar que esta explosão de vida que ela me oferecia naquela hora era um prêmio pelo sensações que nos ofertamos momentos antes.

Viver do passado.

Aquela dor lhe consumia as vísceras dia após dia. Todos os unguentos que tentasse de nada lhe serviam. Já tentara abortar aquele corpo estranho que se remoía dentro de si, mas suas forças não lhe eram suficientes. Só os copos de vinho e de martini acalmavam-lhe o sofrimento. E eles não eram poucos. Seu corpo já demonstrava os efeitos colaterais desses remédios tomados em excesso. Faltava-lhe a coragem e a vontade de se curar. Na verdade, ela negava-se a abdicar desta paixão. Pelo contrário, ela a alimentava com os pratos menos sofisticados recheados das mentiras mais triviais e com as ilusões mais toscas.

Vários eram os dias em que ela passava por certos bares. Não eram bares quaisquer, eram aqueles que ela sabia que ele os frequentava. Ás vezes, se não o achasse em um, fazia uma ronda por todos os outros próximos. Só voltava pra casa quando tinha certeza de que ele não estava naquela região, mas não sem antes tomar suas taças de vinho e fumar seu marlboro, seus analgésicos para a alma. Nas vezes em que o encontrava em um bar, tentava chamar sua atenção passando defronte dele. Inicialmente fingia ignorá-lo, mas como ele, de fato, a ignorava, ela tentava de novo, desta vez buscando seus olhos. No máximo um aceno de mão. Tentava sentar numa mesa próxima. Ouvir sua voz já lhe trazia lembranças do que foram e as possibilidades que só havia na sua mente lhe enchiam de esperança. Bastava algum conhecido em comum sentar-se junto a ele. Era o bastante para que ela se aproximasse, buscasse assunto com o conhecido enquanto esperava ser convidada para sentar. O convite nunca vinha. Este processo autodestrutivo continuava por meses. Seus telefonemas, ele nem mais os atendia. O fundo do poço parecia não ter fim. Os únicos momentos de prazer eram quando ela regatava as coisas boas que haviam passado e que, agora, só ela lembrava. Sabia que não podia seguir assim, mas fazer o que se seu coração não se abria para outras possibilidades? E assim foi, com doses cada vez mais altas de seus analgésicos para a alma. Assim foi até a última gota de amor próprio secar, até o esquecimento de si mesma.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sua dose de morfina.

Como de costume, ela se arrumara fazendo-se linda. Inútil dizer-lhe. Diferente não seria. Mais uma vez ela o chamara. Ele, o poço de impossibilidades, não a acompanharia. Mais uma vez o mergulho em suas prisões. A noite, as possibilidades, os desejos, ela queria estar com ele, mas sua natureza irremediavelmente livre não lhe permitia prender-se a correntes que não eram suas. Linda e decidida, ela bebia todos os prazeres que lhe eram oferecidos, até os que ela nem buscava. Como fazer diferente se seu coração anseia em bater mais rápido?


Cercado por suas grades e correntes, seu pensamento tentava acompanhá-la. Única coisa livre de que dispunha – seu pensar nela. Quais os olhares, quais as bocas, que sensações? Assim tinha que ser. Não se prende o que só existe livre. Ele sabia o preço a pagar. Seu amor poderia custar sua alma, ela já o havia advertido.


Em sua agonia, a noite não tem fim. Os segundos se sucedem assim como as gotas da chuva que molham sua janela ou as doses em seu copo que não lhe trazem o torpor que o absolveria da dor que sente. O celular na mão como se isto o deixasse mais próximo dela. A espera, a longa espera.

Por fim, saciada, corpo cansado, mente em êxtase e bêbada das emoções que tivera e dos martinis que tomara. Deitada em alguma cama, sua última ação antes de entregar-se: a dose de morfina que aliviaria suas dores, uma mensagem. O aparelho treme em suas mãos suadas, a redenção, sua dose de morfina chegara - “... apesar de tuas correntes, ainda te quero”. Aliviado de suas dores, agora ele dorme.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sonho de consumo II

Sentada no banco do carona. Vestido preto até um pouco acima dos joelhos, meia ¾ de seda vermelha, calcinha vermelha de renda com transparências,cinta-liga, sem sutiã. Ele dirigindo sem ter o direito de tocá-la, só observar. Vestido levantado lentamente até mostrar a calcinha. O decote afastado até que o bico do peito revele-se. A janela baixada, permitindo que os olhos curiosos nos coletivos participem do ritual. Calcinha puxada para o lado. O contraste dos tons claros de seu sexo com o esmalte escuro em suas unhas. Gemidos e coisas absurdas ditas. Ruela escura e quase deserta. Sexo enlouquecido sob os poucos olhares de alguns vigias noturnos. O que poderia ser mais perfeito?

terça-feira, 30 de junho de 2009

Encontro (versão extendida)

Eles foram convidados para uma festa na casa de amigos. Seria um destas reuniões cheias de gente, muitas das quais eles nem conheciam, mas que costumavam ser bem animadas. Resolveram ir, apesar da leve dor de cabeça que ela sentia. Rapidamente ele se arrumara sem muito cuidado. Ela havia decidido a se fazer bonita, não sabia bem o porquê. Escolheu seu vestido preto decotado, meias ¾ de seda preta e, para contrastar, uma calcinha vermelha de renda italiana.
Antes das nove horas, eles já estavam na casa de seus anfitriões. Sentaram se na varanda com alguns amigos. Muita conversa entre copos de uísque e martini. Alguém chegou a perguntar se ele não sentia ciúmes da beleza ameaçadora de sua mulher, que naquela noite ainda estava mais realçada pela bela roupa que usava. Na verdade, a intenção era perguntar como ele deixava sua esposa sair vestida de forma tão provocante e sensual de maneira a despertar a libido dos que estavam ao redor. Certas coisas não são ditas às claras por elegância social. Ela começava a se enfadar dos assuntos tratados naquela roda. Resolver andar por aí. Passeou pelo jardim atraindo os olhares de cobiça dos homens e o de inveja das mulheres. Entrou na casa. Ansiava por algo que afastasse seu tédio. Aconteceu. O primeiro contato entre eles ocorreu no corredor que liga a sala aos compartimentos internos da casa. Ela andava distraída, ele olhava fixamente para a tatuagem em seu ombro. Propositalmente ele esbarrou lentamente nela. Queria sentir seu perfume. Aguçou o tato para sentir o bico de seu seio que roçou demoradamente por seu braço. De forma dissimulada, ele tocou sua perna com a parte de fora da mão. Imediatamente, um calafrio lhe tirou de seu estado de distração. Continuou a andar e ao final do corredor arriscou olhar pra trás para ver quem havia provocado nela aquela sensação. Na outra ponta do corredor, seu sorriso já esperava por ela. Meio sem jeito, ela continuou a andar e voltou para a varanda. Pela janela ela podia ver que aquele estranho a observava. Naquele instante, ela se sentiu despida e isto lhe dava prazer. Pensamentos obscenos percorriam sua cabeça um após o outro. Imaginava que sensações poderiam ser produzidas por aquelas mãos e aquela boca. Começou a sentir um certo desconforto. Achava que as pessoas que a rodeavam poderiam sentir o cheiro que, acreditava, exalava entre suas pernas. Procurou sair rapidamente dali. Arrodeou a casa por fora. Ao chegar na parte de trás da casa, uma mão puxou a pelo braço. Quando percebeu havia sido levada para um quarto que servia como depósito de coisas velhas. Nenhuma palavra foi dita. Suas línguas se buscavam vigorosamente. Com firmeza, ele afastou as alças de seu vestido desnudando seus seios que imediatamente foram consumidos por uma boca descontrolada. Sua calcinha de renda vermelha já estava em seus pés. Ele olhava para os poucos pêlos castanhos de sua buceta como se contemplasse uma imagem sagrada. Beijou seu sexo com a mesma ternura que beijaria o rosto de sua mãe. Quando seus dedos já entravam em sua vagina, alguém abre a porta e a fecha imediatamente. Isto foi o suficiente para que eles saíssem daquele transe erótico. Ela se refez. Ajeitou o vestido. Só não vestiu calcinha porque esta havia sido rasgada em duas partes. Voltou para onde seu esposo estava. Tomou mais alguns martinis e reclamou da dor de cabeça que voltava com mais força. Foram pra casa. Lá, eles treparam enlouquecidamente. Nunca ela gozara com tanta intensidade. Nesta e nas noites da semana que se seguiu, seu marido emprestou seu corpo para que sua esposa pudesse imaginar completar o que havia iniciado com o desconhecido. Os melhores gozos de sua vida.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Levo comigo.

"...Levo comigo o gosto do vinho na boca. (Por todas as coisas boas, dizíamos, todas as coisas cada vez melhores que nos vão acontecer.)

Não levo uma única gota de veneno. Levo os beijos de quando você partia (eu nunca estava dormindo, nunca). E um assombro por tudo isso que nenhuma carta, nenhuma explicação, podem dizer a ninguém o que foi."

Sempre que penso nas coisas boas que foram construídas nas diversas vezes em que amei, lembro-me deste texto do Galeano. Um daqueles textos que eu gostaria de ter escrito. É isto que quero trazer comigo de todas as minhas paixões: a lembrança, as marcas de tudo aquilo que nos fez rir juntos. As mágoas, quero deixá-las pelo caminho. Meu coração não tem espaço nem força suficiente para carregar peso desnecessário. É preciso que tudo esteja arrumado e aconchegante para receber os amores que virão.

sábado, 27 de junho de 2009

Ninguém sai impune.

Ninguém sai impune de uma paixão. Muitos são os riscos, muitas as dores e muitos os gozos. Eu trago comigo todas as marcas de todas as paixões vividas. Às noites, eu costumo lamber as feridas abertas e acariciar as cicatrizadas.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Cuidado com o que se deseja

Ele adorava as músicas do Roberto Carlos, principalmente as dos anos 70. Achava que para apreciá-las como se devia, seria necessário estar sofrendo de amor. Por duas ocasiões ele desejou apreciá-las como se devia. Por duas vezes ele desejou sofrer. Por duas vezes ele se arrependeu amargamente. Por duas vezes...

Encontro (versão compacta)

Os primeiros olhares aconteceram no corredor da casa. Seus corpos se encontraram. O bico de seu seio roçou no braço dele e sua mão tocou delicadamente sua perna por sobre o vestido preto. Exatamente como acontecem nos esbarrões acidentais. Após isto, eles se olharam à distância. Ela estava incontrolavelmente excitada. O próximo encontro foi nos fundos da casa. Entraram em um quarto. Não disseram uma palavra. Seus corpos se expressavam da melhor forma que lhes cabia naquele momento. Ele afastou as alças de seu vestido deixando seus seios à mostra. Mordeu cada um deles até que ela soltasse gemidos de dor e prazer. Arrancou sua calcinha de renda vermelha com uma das mãos. Levantou seu vestido e contemplou os poucos pêlos castanhos de sua buceta. Um beijo terno no seu sexo antecipara os dedos que entravam em sua vagina. Alguém abre e fecha a porta rapidamente. O bastante para interrompê-los. Vestiram se e cada um voltou para onde estava. Ela falou ao marido, que ainda a esperava na varanda, que queria voltar para casa. Em seu quarto, eles treparam como nunca haviam feito. Ela chegou a gritar ao gozar. Nesta e nas noites da semana que se seguiu, seu marido emprestou seu corpo para que sua esposa pudesse imaginar completar o que havia iniciado com o desconhecido. Os melhores gozos de sua vida.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Moça triste.

Ela abrira a gaveta da cozinha em busca de um sacarolhas. Suas mãos trêmulas percorriam rapidamente cada recanto da gaveta. Encontravam tudo, menos o maldito sacarolhas. Ao passar seus dedos pela lâmina de uma faca, seus olhos fecharam e suas ideias voaram. A imagem do vermelho gotejante lhe fez lembrar de seu objetivo ali, naquele momento. Com o sacarolhas na mão, ela abriu a dispensa em busca do Porto. Merda – gritou ela mentalmente. Alguém já abrira seu preferido. Restava-lhe a garrafa de Bourgogne. Não era de seu gosto, mas naquele momento, o teor alcoólico era a única coisa relevante. Refugiou-se nos quartos dos fundos. Além da garrafa e do copo, somente os fones em seus ouvidos eram testemunhas de sua aflição. Pensava em todas as coisas que poderiam ter sido. Em todos os amores que nem teve a chance de conhecer. Em todas as possibilidades de felicidade passadas e futuras. A garrafa secava, inicialmente de forma célere para, em seguida ter cada um de seus copos a lenta e inebriante degustação merecida. Entre cada gole, ela segurava o copo em frentes aos seus olhos e observava o vermelho do líquido e imaginava todos os gozos não tidos e para cada um deles, uma lágrima era vertida. Não demorou muito, sua maquilagem já havia sido levada. Seu rosto borrado ainda lhe dava um ar mais triste, de uma melancolia quase mórbida que só se vê naqueles que tiveram suas almas enlevadas pelo mais rústico dos fórceps.
“...Que je ne sais plus qui je suis
Je t'aime tant,
Je t'aime tant, pourtant ...”
Últimas frases escutadas através de seus fones quando seu ritual semanal foi interrompido por uma voz que vinha de fora:
-Meu bem, não vens te deitar?
-Vou já, querido.

Ela enxugou suas lágrimas, caminhou firmemente para não revelar sua embriaguez evidente e entrou em casa para viver sua felicidade pasteurizada.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Poema do fim


“Não foi a brisa da manhã que me disse
Nem a porta displicentemente esquecida aberta
Mas sim o silêncio inquietante
Provocado nessa tua ausência
Falando que você partiu
E não mentiu!
Quando certo dia contou-me
Que seu amor é assim
Não cria raízes
Vai ficando
Até o dia
Do não querer mais... ”


Guardei este poema para o dia em que partirias. Mas tu nunca me deixaste de verdade. Tu sempre voltavas. Mesmo quando não te queria mais, tu estavas lá. E tu sabes me dobrar. E cada vez que não te queria, acabava te desejando enlouquecidamente mais e mais. Tua vida tomou outro rumo, longe da minha. Acostumei-me a ter-te a distância, ao sabor das janelas que piscam na tela. Ditadura da tecnologia que não me deixa mais que me afaste de ti. Agora que estás longe é quando mais te quero. Na paixão idealizamos o objeto de nosso desejo, então o que dizer agora que não te vejo mais? Até tua imagem pode ser do jeito que eu imaginar. E nas janelas que piscam, tu continuas a ser a mais bela, a que tem a voz mais doce, enfim...


Com o tempo, cultivei outras paixões, larguei-te um pouco. Esforço vão de te encontrar em formatos diferentes. Apaixonei-me mil vezes e mil vezes não te encontrei. Agora, não te encontro nem quando te busco. Não foste embora, mas não mais as janelas piscam e este silêncio é mais castigante do que o do poema que escolhi para o dia em que partirias. E continuas lá e em silêncio. A pior das ausências.


segunda-feira, 22 de junho de 2009

Seu sonho de consumo.

Nenhuma visão poderia ser mais fantástica pra ele do que a imagem dela nua em pêlo, cabelos cuidadosamente arrumados, lápis preto nos olhos, batom maravilhosamente vermelho na boca, esmalte preto nas unhas e calçando um encarnado salto alto com ponta de agulha que lhe deixava na carne as marcas de suas indas e vindas de seu desfile erótico tendo ele como passarela.

domingo, 21 de junho de 2009

Amor casual

Era só mais uma saída entre amigos. Quinta era o dia dos caranguejos. Ela adorava este ritual. Para ele tanto fazia. Queria estar em sua companhia. A conversa era boa e ela tinha pernas bonitas e um jeito sensual. Seus seios levemente caídos também despertavam nele pensamentos eróticos. Mas eles estava ali para celebrar o prazer de rir a dois e assim o fizeram. Porém, em ambos havia um querer mais. Ele a deixou em sua casa. Veio a vontade de tomar a última cerveja. Poderia ser no bar da esquina, mas ele insistiu que seria melhor na sala que estava logo ali ao lado. Ela não aceitou logo de cara, mas na verdade preferia a sala também. Entraram e enquanto ela pegava a cerveja e os copos, ele ligava seu parelho de música. Várias eram as opções, mas Roberto Carlos parecia ser a mais apropriada. Sentaram-se no chão, um de frente para o outro. Apesar de estar usando uma minisaia, ela achava mais confortável sentar com as pernas afastadas. A penumbra encobriria sua intimidade. As cervejas e as músicas se sucediam. Os risos, agora, eram acompanhados de abraços e cabeças nos ombros. Ao som de “Eu te Proponho” seus lábios se encontraram pela primeira vez. Ela hesitou e, afastando-se dele, perguntou se achava que aquilo seria correto. Sua resposta veio em forma de um beijo que percorreu o interior de suas cochas. Ela ainda argumentava algo enquanto, com as mãos, tentava manter sua cabeça à distância. Muito tarde, sua calcinha, que a penumbra não conseguira esconder, já estava no centro da sala e os lábios de seu sexo entre os lábios dele. Seus corpos estavam nus como que querendo coreografar a música que naquele momento invadia o quarto: “... Usar meus beijos como açoite E a minha mão mais atrevida...”. Amaram-se até que o suor de seus corpos encharcou suas almas. Gritos, arranhões, coisas absurdas foram ditas. Cansados, eles se vestiram, enxugaram a testa e foram até o portão. Lá, se despediram como amigos que eram: um beijo em cada face. Nada mais fora dito.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Punhais

Ele estava diferente - pensativo, calado, olhar perdido. Lábios secos, sabor amargo na língua. O oposto de minutos antes. Entrou pela porta da sala e foi direto à cozinha. Não deixara suas coisas no gabinete como de costume. Pegou uma cerveja na geladeira. Caiu sobre o sofá largando sua pasta no meio da sala. As imagens da TV atravessavam seus olhos, mas suas retinas não eram sensibilizadas. Muito menos seus tímpanos. Todos seus sentidos ainda traziam consigo as impressões daquele último encontro. Sua cabeça fervia. Seus lábios tremiam. Arrastou-se até o banheiro. Esperava que o fluido gelado que percorria seu corpo carregasse consigo todos os serás, os porquês, os talvez e principalmente os “se tivesse sido diferente”. Esperou ainda algum tempo em frente ao espelho. A cabeça ainda fervia. Deitou-se sorrateiramente na ponta da cama. Inútil, sua companheira percebera:

-Chegaste agora?
-hum.
-Calado, o que tens?
-Nada, sono.

Ela aprendera com os anos, mesmo sem olhar, a distinguir quando ele serrava os olhos para dormir ou se mirava o negrume.

-O que tens?
-Me deixa dormir.
-Fala, faz bem.
-Não é nada, deita e dorme.

Assim, ele prendera em sua garganta mais um punhal que, num dado dia, junto com tantos outros, dilaceraria o peito dela, rasgando sua alma com todas as verdades guardadas, com o peso de todas as coisas não ditas...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Decepção temperada com bouquet garni

Ele sabia que ela gostava daquele prato exótico. Buscou, revirou, até encontrar uma receita. Não podia ser qualquer uma. Tinha que parecer com aquela que ela apreciava. O mais difícil foi encontrar os ingredientes. Cozinhar, para ele, era uma forma de amar. Ele tentava, por um instante, imaginar sê-la para ter certeza que tudo estaria do seu gosto. Ao final, ele estava certo que ela aprovaria. Quem mais poderia fazer aquilo por ela? Mandou-lhe uma mensagem falando da surpresa que fizera pra ela. Ansioso, esperou uma resposta. Olhava para o prato e a imaginava sorrindo após tê-lo acabado. A resposta não veio. Passou o primeiro dia. O segundo e o terceiro vieram mais demoradamente, porém a resposta não. A resposta nunca viria. Ele via o prato, mas não mais a enxergava. Aquele cheiro lhe dava ânsia de vômito. Quanto aos ingredientes que sobraram? Ah, a geladeira tornara-se um necrotério de legumes podres, seu peito um cemitério de antigos sentimentos bons.

Das coisas que não foram ditas...



Guardo em mim o peso de todas as palavras que não foram ditas. De todas aquelas que não ultrapassaram a barreira dos meus dentes à espera do momento certo para ganhar o mundo. Besteira, não há o momento certo. Há a palavra certa. E eu as tinha. Hoje sofro como querendo que abortar tudo que não te disse. Todas as palavras, hoje, anacrônicas e sem sentido e que me arranham por dentro. O “eu te amo” que não disse quando sorriste pra mim pela última vez. O “te adoro, mesmo me fazendo sofrer” que troquei por um “vai se fuder” nas vezes que brigamos. O “quero ficar contigo pra sempre” que não falei por achar muito piegas. Até mesmo os “porras” e “caralhos” que não ouviste para não te magoar e ainda assim acabaste magoada. Os elogios que não fiz. Os que não ouvi. Os palavrões que não gritei quando gozava. A angústia das perguntas que não foram feitas:

  • Por que ainda estás comigo?

  • Por que perguntaste se ainda ficarias contigo?

  • Tu ainda ficarias comigo?

  • Tu ainda me amas?

  • Por que agora e não depois?

  • O que me escondeste quando disse que não estarias só, que ficaria ao teu lado com ou sem ele?

Hoje, o teu silêncio me doe mais que todas as palavras que guardo. Doe-me principalmente imaginar todas as palavras que não mais serão ditas por ti. Todas as palavras que não serão ditas...