quarta-feira, 24 de junho de 2009

Moça triste.

Ela abrira a gaveta da cozinha em busca de um sacarolhas. Suas mãos trêmulas percorriam rapidamente cada recanto da gaveta. Encontravam tudo, menos o maldito sacarolhas. Ao passar seus dedos pela lâmina de uma faca, seus olhos fecharam e suas ideias voaram. A imagem do vermelho gotejante lhe fez lembrar de seu objetivo ali, naquele momento. Com o sacarolhas na mão, ela abriu a dispensa em busca do Porto. Merda – gritou ela mentalmente. Alguém já abrira seu preferido. Restava-lhe a garrafa de Bourgogne. Não era de seu gosto, mas naquele momento, o teor alcoólico era a única coisa relevante. Refugiou-se nos quartos dos fundos. Além da garrafa e do copo, somente os fones em seus ouvidos eram testemunhas de sua aflição. Pensava em todas as coisas que poderiam ter sido. Em todos os amores que nem teve a chance de conhecer. Em todas as possibilidades de felicidade passadas e futuras. A garrafa secava, inicialmente de forma célere para, em seguida ter cada um de seus copos a lenta e inebriante degustação merecida. Entre cada gole, ela segurava o copo em frentes aos seus olhos e observava o vermelho do líquido e imaginava todos os gozos não tidos e para cada um deles, uma lágrima era vertida. Não demorou muito, sua maquilagem já havia sido levada. Seu rosto borrado ainda lhe dava um ar mais triste, de uma melancolia quase mórbida que só se vê naqueles que tiveram suas almas enlevadas pelo mais rústico dos fórceps.
“...Que je ne sais plus qui je suis
Je t'aime tant,
Je t'aime tant, pourtant ...”
Últimas frases escutadas através de seus fones quando seu ritual semanal foi interrompido por uma voz que vinha de fora:
-Meu bem, não vens te deitar?
-Vou já, querido.

Ela enxugou suas lágrimas, caminhou firmemente para não revelar sua embriaguez evidente e entrou em casa para viver sua felicidade pasteurizada.

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